quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A PERSPECTIVA CAMONIANA HOJE

Podemos afirmar que Camões é um poeta atual, pois abordou em suas obras temas universais como o amor; o questionamento, a angústia, a mágoa e a dor dos seres humanos; o desconcerto do mundo, entre outros. Tais temas transcendem os limites do tempo e do espaço. E, é por meio deles que Camões externa em  suas poesias todos os conflitos, inquietações e questionamentos pertinentes ao ser humano.

Se analisarmos a obra Camoniana frente a uma obra contemporânea perceberemos a influência da primeira sobre a segunda, pois assim como Camões se deixou influenciar por autores anteriores a ele, os autores que vieram "pós-Camões" acabaram incorporando traços camonianos.

Podemos comprovar a ideia citada, por meio dos poemas "Pois meus olhos não cansam de chorar" de Luiz Vaz de Camões e "Este livro" de Florbela Espanca. 

Observamos que o mesmo tema abordado por Camões no século XVI é retomado por Florbela no século XX.


Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas não cansadas de cansar-me;
Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar;

Não canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me não deixar.

E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, águas;

Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas.




ESTE LIVRO ... 

Este livro é de mágoas. Desgraçados 
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo! 
Somente a vossa dor de Torturados 
Pode, talvez, senti-lo ... e compreendê-lo.

Este livro é para vós. Abençoados 
Os que o sentirem , sem ser bom nem belo!
 Bíblia de tristes ... Ó Desventurados, 
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo! 

Livro de Mágoas ... Dores ... Ansiedades! 
Livro de Sombras ... Névoas e Saudades! 
Vai pelo mundo ... (Trouxe-o no meu seio ...) 

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água, 
Chorai comigo a minha imensa mágoa, 
Lendo o meu livro só de mágoas cheio! ..

Verificamos nos poemas que os vocábulos "dor" e "mágoa" acentuam o sofrimento do eu-lírico, que deixa transparecer uma profunda tristeza. Essa tristeza, ao mesmo tempo que é particularizada (centrada no eu) é também generalizada, como podemos observar nos seguintes versos:
 "chorai comigo a minha imensa mágoa"/"Somente a vossa dor de torturados" - Florbela
"Ouçam a longa história dos meus males"/Cure a sua dor com a minha dor," - Camões
Ambos colocam a dor e a mágoa como sentimento inevitáveis, pois fazem parte da realidade humana.

Notamos que no poema de Camões os pronomes possessivos "sua" e "minha" funcionam como um espelhamento (ver a sua dor, através da dor do outro) e também acentuam a ideia da dor como um sentimento comum a todas as pessoas.

Já no poema de Florbela, percebemos a utilização da expressão "irmãos na dor" que nos remete à ideia de identificação de "dores". E no quarto verso da segunda estrofe "Que a nossa imensa dor se acalme ao vê-lo", temos a mesma questão citada anteriormente, no pema de Camões, ou seja, a tentativa de amenizar a dor, olhando a dor do outro (a mesma questão do espelhamento).

Evidencia-se, por meio dos poemas lidos, que a dor, o sofrimento e a mágoa são sentimentos inerentes a todos nós. E a única forma de amenizar esses sentimentos negativos é compartilhando os com o outro e observando a dor alheia, pois sempre existe alguém com uma mágoa, ou uma dor igual, ou maior que a nossa.

Concluímos, então, que dois autores de épocas distintas, aproximam-se pelo tema, pela estrutura textual e pelo próprio discurso, por isso podemos dizer que o poema de Camões é tão atual quanto o de Florbela. Com isso, podemos afirmar que é possível trazer Camões aos dias de hoje, comparando seus poemas com poemas atuais e mostrando que apesar das grandes mudanças, do avanço tecnológico e das diferentes épocas da nossa história, o ser humano continua o mesmo, ou seja, faz os mesmos questionamentos e vive os mesmos conflitos, os quais foram perpetuados desde a sua criação.

O homem, em sua essência, não mudou. Ele é o mesmo, aquele do século XVI, por isso podemos dizer que Camões escreveu "ontem" o hoje.

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